quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Assim Seja

A foto acima foi tirada na Primeira Comunhão da minha irmã Marina e da minha prima Maria Luiza. Era manhã de domingo. Acordamos cedo – coisa que eu não estava acostumado a fazer – e fomos para a Igreja da Santa Terezinha. Eu não entendia muito bem o que estava acontecendo, mas sabia que a cerimônia era importante. Até minha avó materna e meus primos vieram do Rio de Janeiro para acompanhar.

Mesmo assim, eu não tinha conhecimento do real significado da Primeira Comunhão. Para mim, as aulas só serviam para ocupar as manhãs de sábado. E as crianças só faziam o curso porque eram obrigadas pelos pais. Isso aconteceu com meus primos e com meus amigos. Por sorte, a postura da minha mãe era outra. Ela deixou que escolhêssemos. E eu nunca quis fazer. Preferia dormir ou jogar bola.

Com minha irmã foi diferente. Ela fez o curso e por isso, naquele domingo, estávamos reunidos. Eu vestia camiseta e bermuda brancas, e usava um tênis sem meia, com o cadarço ridiculamente amarrado em volta da canela. Eu estava me divertindo? Sim. Mas por um simples motivo: íamos tirar várias fotos. Ou seja, seriam várias oportunidades de fazer “chifrinhos”. Minha mão já estava tão preparada para essa missão que o “chifrinho” nem saía mais dela. Como prova a foto.

A cerimônia foi realizada. Para mim, parece que demorou uma eternidade. Lembro que tudo era muito chato, com exceção da menina gordinha que caiu quando ia receber a hóstia e das brincadeiras com meus primos. Será que fazer “chifrinho” no altar é pecado? Depois disso, os anos se passaram e eu custei a voltar a uma igreja.

Por volta dos 12 anos, me recordo da pergunta que uma tia me fez: “Você não é católico?”. Eu nunca tinha parado para pensar nisso. Naquele momento, refleti. Eu nasci numa família católica. Fui batizado. Quando tinha medo de algum monstro, rezava. Mas não, eu não era católico. E enfrentei certo conflito interno ao concluir algo além: eu era ateu.

Quando minha tia escutou aquilo, quase teve um ataque. “Quer dizer que você gosta do diabo?”, ela perguntou. Dessa vez, nem precisei pensar para responder. “Claro que não”. Quem não acredita em Deus vai acreditar no seu arquiinimigo? Os religiosos que me perdoem pela comparação, mas seria o mesmo que confiar na existência do Lex Luthor quando se duvida da veracidade do Super-Homem.

É fácil ser ateu num país predominantemente católico? Não. As pessoas mais próximas sempre souberam da minha crença. Digo isso porque, para mim, o ateísmo não é uma ausência de crença. E sim acreditar de forma diferente.

Nunca menti, nunca disse ser católico ou possuir qualquer outra religião. Mas confesso que, em algumas ocasiões, omiti o fato de ser ateu. E por que será que fiz isso? Em relação a meus avós, acho que foi para não criar desgosto. Ou polêmica, já que os dois lados da família são bem ligados à Igreja. O mesmo fazia com as famílias das namoradas, ou quando estava em algum lugar onde fosse acontecer alguma novena. “Julio, você não reza? Por que fica quieto?”, foi uma pergunta que ouvi muito. “Eu rezo em silêncio”, eu respondia, sem graça. Até porque acho que já esqueci os versos do Pai-Nosso e da Ave-Maria.

Outra coisa: ser ateu não é uma escolha. Assim como imagino que ser cristão também não seja. Não se decide no que acreditar. Podemos até receber educação religiosa, sermos introduzidos no catolicismo, presbiterianismo, umbanda, que seja. Mas tudo vai depender das coisas que vivenciarmos. São os acontecimentos que definem quem somos. Não é possível se forçar a acreditar que o céu é azul quando se enxerga um horizonte de outra cor.

Esse texto não é para tentar “catequizar” ninguém às avessas. Primeiro porque não sou o dono da verdade, e posso facilmente estar enganado. Segundo, porque sempre respeitei as religiões. As instituições não, pois acho que estão corrompidas em sua maioria. Mas o poder da fé é inegável. E gosto de ver atos que demonstrem tamanha devoção. Acho que as pessoas que os têm encontram uma paz que não tem preço.

Já ouvi muito se dizer que quem não tem Deus no coração não é feliz. Discordo. Sou feliz. Sempre fui. Era antes de perceber que não era católico. E sou igualmente depois de concluir que sou ateu. Ou melhor, acho que sou até um pouco mais feliz agora. Afinal, as festas religiosas continuam servindo para reunir a família e matar a saudade de pessoas que gostamos muito, mas não podemos ver tanto. O Natal está logo aí, e é prova disso. O que mudou então? Ao contrário da Primeira Comunhão, a ceia e a entrega de presentes acontecem à noite, e posso dormir até mais tarde.

Amém.


"Com o critério com que julgardes, sereis julgados; e, com a medida com que tiverdes medido, vos medirão também."

(Jesus Cristo)

2 comentários:

  1. Nem tudo que é bom para os outros, é bom para nós. Eu particularmente acho antiquados e preconceituosos os cultos de algumas religiões. Assim como nem tudo o que é bom para nós é bom para os outros.

    Isso serve para refletir sobre "julgar a vida do outro de acordo com nossos padrões de vida". Religião diz "conviver em harmonia", o que vai bem contra o que acontece muitas vezes: "quem não segue a comunidade 'tal' é instrumento do diabo".

    Cada um faz a sua e vive feliz do jeito que se sente bem, desde que não seja invadindo o território alheio. Seu post é claro, direto e não merece pedras. Merece reflexão.

    Eu falei mesmo...

    ResponderExcluir
  2. é...a discussão é fioda... confesso que já me peguei com a frase "mas, julio, vc nao acredita em nada? Nadinha mesmo?" quando o assunto é Deus... o mais legal ainda é usar expressões como "ah julio... seja o que Deus quiser" ou "vai com Deus". Enfim, acho que é o q o Renato disse... seu texto nao ofende, só justifica sua posição.

    ResponderExcluir